Há historiadores que estimam que por volta de 1840 de cada dez escravos sequestrados, principalmente na atual Angola, e trazidos a força nos navios negreiros que chegavam à costa pernambucana, 7 ou 8 eram crianças e adolescentes. Não constitui exagero dizer que a exploração, o abuso e a violência contra as crianças e adolescentes estiveram presentes no cotidiano brasileiro em todos os períodos históricos desta sociedade: da Colônia a lei Áurea, na ausência total de Estado de Bem Estar social na República Velha, no Estado Novo (apesar de Getúlio Vargas ter iniciado algumas políticas nacionais na Educação e na Saúde), na Ditadura Militar e, infelizmente, de formas mais sutis e complexas; ainda nestes últimos 21 anos de período democrático- institucional sob a égide da única “Constituição cidadã” que já houve em terras tupiniquins.
Uma sociedade com mais de 5 séculos de diversas violências contra sua própria população juvenil não pode esperar que essa juventude- violentada, explorada e; pelo vácuo de exercício de direitos alienada- lhe seja grata. Não! O que se semeia com isso é ódio, intolerância e o fracasso da construção de uma sociedade madura.
Feita essa digressão sobre a história da Juventude no Brasil, espera-se que essa chaga histórica seja tomada como contexto para a discussão de leis que venham a legislar sobre o menor em conflito com a lei – como a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade.
Na Economia, nas Relações Internacionais e no desenvolvimento científico- tecnológico (só para citar algumas áreas) o Brasil vive um momento deveras promissor. Podemos, nos próximos anos, iniciar um processo contínuo que levaria o Brasil a se tornar uma super-potência econômica, tecnológica e movida a matriz energética “verde”. Mas assegurar estas conquistas só, e apenas só, será possível se não nos esquecermos de um detalhe: a promoção da qualidade de vida da juventude brasileira que viverá neste possível futuro altivo. E como vive a maioria dos jovens no Brasil?
Como tudo nesta que é das sociedades com maiores índices de concentração de renda no mundo, a resposta dependerá da classe e status social do/a jovem considerado/a. As possibilidades de formação cidadã, cultural e educacional não são as mesmas entre o adolescente que mora num apartamento no bairro do Morumbi e estuda no colégio Bandeirantes em São Paulo e o outro adolescente de igual idade que reside numa zona rural no interior do Piauí.
Face a essa realidade é inegável que o ECA representou um avanço importantíssimo na construção da incipiente cidadania brasileira pois foi o primeiro(e tardio) marco legal significativo que se ocupou de proteger direitos fundamentais para o salutar desenvolvimento educacional,moral,psicológico, emocional e cidadão dos jovens brasileiros. Esse é o espírito essencial do Estatuto da Criança e do Adolescente: proteger e acompanhar o desenvolvimento integral como ser humano daqueles que serão o futuro da População Economicamente Ativa do Brasil. Com o ECA a sociedade brasileira compreendeu, ao menos formalmente, que a educação dos jovens é responsabilidade de todos que desejam viver numa sociedade com justiça social. E, quando o jovem cometer infração a lei, deverá ser conduzido para medidas socio-educativas proporcionais ao agravo do delito.
Mas o avanço de mentalidade contido no texto do ECA ainda não foi forte o bastante para curar a chaga histórica de má qualidade de vida, opressão e violência vividos pela maioria dos jovens de classes sociais de pouco poder aquisitivo e oportunidades de ascensão social. Não é novidade para nenhum dos 190 milhões de brasileiros que a Lei está para os ricos. Para o brasileiro jovem, pobre (e pior ainda se negro ou pardo) as “medidas socio- educativas” do ECA chegam à sua realidade como escolher entre as casas de detenção juvenis e/ou o cassetete do policial.
Será que uma lei mais rigorosa colucionará as mazelas de exclusão social que afligem jovens pobres no Brasil? Ou só promoverá uma maior superlotação das instituições correcionais voltadas a jovens em conflito com a lei?
Mais importante: o que é mais eficaz para combater a delinquencia juvenil, repressão maior ou inclusão social efetiva?
Talvez refletir sobre o caso de uma juventude de outra sociedade contribua para perspectivas novas para as questões acima,a saber, a sociedade alemã e a transição de sua juventude nos anos 1930 para os anos 1960.
Se a juventude hitlerista constitui uma chaga histórica que até hoje muita vergonha causa ao cidadão alemão comum (bem diferente da indiferença para com a herança de 4 séculos de escravidão que o brasileiro comum demonstra), trinta anos depois tal mentalidade foi abolida da sociabilidade dos alemães (os grupos genuinamente nazistas constituem uma minoria ínfima da demografia alemã contemporânea) graças a um grande pacto social que, operacionalizado por um sistema educacional amplo, universal, interdisciplinar e de qualidade; transformou as mentes da juventude alemã. Desnazificada desde os anos 1960, hoje a Alemanha é o Estado da Europa que mais investe em Direitos Humanos e em Meio Ambiente.
Um pacto social transformou a sociedade alemã em 30 anos. Qual o pacto social acalentado pela sociedade brasileira para sua juventude? Se o Brasil se preocupar de fato em reduzir suas impiedosas desigualdades sociais, não precisará de leis que criminalizem seu futuro, ou melhor, sua juventude. Afinal de contas, quem tem satisfatórias oportunidades de inclusão social tenderá a ter menos motivos para cometer delitos.
Finalizando, como obter esse pacto social?Com o que falta à sociedade brasileira muito mais do que leis que criminalizem a juventude: auto-conhecimento de sua história, auto-crítica de suas desigualdades estruturais e coragem para dividir as riquezas do Brasil equitativamente entre todos os/as brasileiros/as.
(Francisco do Nascimento Couto - psicólogo)
terça-feira, 4 de agosto de 2009
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